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Foto do escritorCarolina Aita Flores

Já ouviu falar em Parentalidade Distraída?



Na matéria anterior falamos sobre os efeitos da exposição a telas em crianças, abordando maneiras de diminuir o impacto da tecnologia no desenvolvimento infantil. Hoje a conversa abordará uma temática parecida, mas sob um enfoque diferente. Além de reduzir a exposição de crianças às telas, precisamos refletir sobre nossa própria relação com os eletrônicos.


Recentemente, atendi uma paciente no consultório que se queixava da relação com o pai, gostaria que tivessem um contato mais próximo. Quando perguntei a ela o que estava atrapalhando a comunicação entre eles, a resposta me surpreendeu, ainda mais vindo de uma adolescente: o celular. Minha paciente de 13 anos estava preocupada com o fato de o pai passar tempo demais no celular. Segundo ela, o pai atende ligações e responde mensagens durante o almoço, chega do trabalho e passa a noite no sofá com o telefone na mão e deixa vídeos rodando no celular enquanto viajam e ele dirige!


Este é apenas um dos exemplos do que chamamos hoje de “Parentalidade Distraída”. Essa expressão foi criada para designar a desatenção que acontece com os pais quando usam tecnologia na presença dos filhos. A distração crônica dos adultos em função do celular tem efeitos deletérios no desenvolvimento cognitivo e social de seus filhos e pode representar riscos físicos, emocionais e de aprendizagem.


Um dado impactante sobre o uso de eletrônicos pelos adultos é o número crescente de acidentes envolvendo crianças com pais distraídos pelo celular. Um estudo nos Estados Unidos, em parceira com uma empresa de telefonia móvel, demonstrou que, conforme as áreas em que a cobertura de celular ia sendo implantada, o número de crianças que dava entrada no pronto-atendimento daquela região aumentava. Outros estudos apontam a correlação entre acidentes em playgrounds e a desatenção parental provocada pelo uso de tecnologia.


Acidentes com crianças devido ao uso de celular pelos pais são a consequência mais explícita da parentalidade distraída. Porém, problemas menos óbvios e talvez até mais graves, que ocorrem quando os pais prestam mais atenção aos celulares dos que aos filhos, envolvem os danos emocionais e sociais que isso provoca. O sistema interativo-comunicativo entre a criança e seus cuidadores constrói a arquitetura básica do cérebro e o desenvolvimento cognitivo infantil é estabelecido na interação com os adultos. Porém, atualmente, este sistema está sendo constantemente interrompido por uma mensagem no celular ou uma checada rápida no Instagram. Quando o fluxo da interação criança-cuidador é interrompido por um alerta no celular, toda a comunicação e a aprendizagem associada podem ser prejudicadas.


Os bebês e as crianças pequenas procuram no olhar e nas expressões faciais dos pais pistas cruciais para o desenvolvimento de habilidades sociais. Quando os pais estão com o olhar concentrado no celular, todo o aprendizado espelhando o comportamento dos pais é prejudicado. Comprovou-se também que pais distraídos pelo celular têm uma tendência maior a responder rispidamente às solicitações dos filhos.


Além do prejuízo nas habilidades sociais das crianças, um estudo publicado no Journal of Child Development encontrou que pais que são facilmente distraídos pela tecnologia têm filhos com maior tendência a ataques de birra, mau comportamento e agressão, bem como maior propensão a desenvolverem sintomas de depressão e ansiedade. Quando sentem que precisam competir pela atenção dos pais, as crianças podem adotar comportamentos de risco, como pular do alto de um brinquedo na pracinha ou matar aula, na expectativa de que alguém preste atenção a elas.


A desatenção ocasional dos pais não é um problema, mas a distração crônica sim. Separações curtas e deliberadas entre pais e crianças são saudáveis para ambos, mas esse tipo de separação física é diferente da desatenção que ocorre quando um pai está com a criança, mas comunicando indiretamente para o filho, através de seu comportamento, que este é menos importante do que um e-mail, por exemplo. O modelo parental que se estabelece aqui é cruel: um pai presente fisicamente, mas emocionalmente em outro lugar.


Crianças pequenas farão de tudo para obter a atenção de pais distraídos. Então precisamos refletir se os ataques de birra tão frequentes atualmente são uma tentativa de nossos filhos de nos resgatar, de terem a nossa atenção integral, sem nos dividir com o celular em nossas mãos. Por isso, mais uma vez fica a sugestão: se desejamos que nossos filhos desenvolvam um uso responsável da tecnologia, precisamos dar o exemplo, desconectando do mundo virtual e nos conectando com quem está ali, apenas querendo um pouco da nossa atenção.


Autora: Carolina Aita Flores, psicóloga clínica e perinatal


PS: Após terminar de escrever essa matéria, no dia seguinte, a Sociedade Brasileira de Pediatria lançou o Manual de Orientação #MenosTelas #MaisSaúde. No manual você pode encontrar informações sobre os efeitos nocivos do uso de eletrônicos no desenvolvimento cerebral e mental de bebês e crianças; os principais problemas médicos e de saúde associados ao uso de tecnologia; os principais fatores de risco e de proteção no contexto familiar na era digital; uma classificação indicativa a respeito do tempo de tela e orientações sobre como os pais podem modular o uso responsável de tecnologia.


Referências:


Alyson Schafer - Tech-Distracted Parenting Can Harm Your Children But There Are Ways To Curb Your Addiction: Kids of tech-addicted parents have shown higher rates of depression and anxiety.


Carrie Shrier - The dangers of distracted parenting: Parents today are often paying less attention to their children due to hand-held devices.


Erika Christakis - The Dangers of Distracted Parenting: When it comes to children’s development, parents should worry less about kids’ screen time—and more about their own.


Laboratório de educação - Parentalidade distraída: o mal dos adultos que dão mais atenção às telas do que às crianças.

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